O avanço da censura como ferramenta da extrema-direita
Por Clayton Medeiros
Redes Sociais | Imagem: Reprodução/Pexels
Apesar de atualizar a sua política de drogas nas redes sociais a todo instante e permitir que os seus usuários criem e compartilhem conteúdos que envolvam a cannabis, a Meta parece desconhecer aquilo que está aprovado em suas próprias diretrizes e realiza censura todos os dias de “perfis canábicos”.
Quando pensamos em liberdade de expressão como um direito protegido de forma mais ampla e significativa dentro do contexto histórico da humanidade, podemos fazer um recorte na Revolução Francesa (1789-1799), mais precisamente em seu início, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Já que fora proclamado, naquele documento, que a liberdade de expressão, assim como outros direitos, se tratava de um direito natural, que nasce com o ser humano.
Nesse sentido, em breve análise, podemos dizer que 236 anos (1789-2025) é muito pouco para a proteção de um direito tão importante. Isso se prova quando, por exemplo, a liberdade de expressão ganha mais notoriedade internacional na Declaração Universal dos Direitos Humanos, apenas em 1948.
Ainda, falando de Brasil, mais precisamente durante o Período Colonial (1500-1822), não havia liberdade de expressão e a censura era praticada pela Igreja Católica e pela Coroa Portuguesa. Tanto que, em 1808 surge a Imprensa Régia, a primeira imprensa oficial do Brasil, que chegou por aqui junto da Família Real Portuguesa. Censura transcrita de Liberdade de Expressão, já que ainda assim cabia a uma junta diretora examinar previamente as publicações do impresso e não poderia existir conteúdo que contrariasse o governo, a religião e os bons costumes.
É preciso dizer que, a liberdade de expressão enquanto direito é muito confuso. Visto que há o reconhecimento em diversas localidades, como até mesmo defendida na Grécia Antiga por alguns filósofos, existindo um avanço cultural e histórico contra o proibicionismo de manifestar o pensamento, mas em outras localidades a censura restava como a saída absoluta.
Em virtude disso, da censura aplicada no Brasil, inclusive, durante a Ditadura Empresarial Militar (1964-1985) e da tardia proteção constitucional, já que a maior garantia a esse direito só veio na Constituição Federal de 1988, é que a liberdade de expressão ainda é um direito muito novo, principalmente no Brasil. Em termos humanos, é que como se ele começasse a engatinhar nesse exato momento. É aí que entra a extrema-direita e a exploração do desconhecimento com a sua comunicação nas redes sociais. Comunicação essa que utiliza uma linguagem acessível e atravessa todas as camadas da sociedade.
Evidentemente que, em razão da exploração indevida, racista e desumana, que desemboca no enriquecimento patrimonial indevido, a extrema-direita consegue comprar e reter para si o aparato das tecnologias e, consequentemente, das redes sociais. Foi assim que, ao dia 7 de janeiro de 2025, o bilionário Mark Zuckerberg fez um vídeo informando que iria mudar as diretrizes da Meta, com o objetivo de garantir a liberdade de expressão. Para além disso, afirmou com todas as letras que estaria apoiando outros bilionários, como o Elon Musk e o Presidente dos Estados Unidos Donald Trump. No final do vídeo, comunicou que lutaria pela liberdade de expressão e que seria contra a censura praticada pelos “tribunais secretos” existentes no Brasil.
Entretanto, apesar do típico discurso populista de um bilionário que flerta com o fascismo, algumas pessoas pontuaram uma possibilidade de avanço, mas a liberdade de expressão não foi alcançada pela cannabis e pelos usuários que falam da planta de diferentes formas nas redes sociais. Muito embora no dia da publicação do vídeo pelo bilionário ocorresse uma comoção digital pela liberdade de expressão da planta. Porém, depende… Se por acaso você estiver fazendo conteúdo anticientífico ou criando perfil fake para vender produtos não regulamentados de maconha, o seu perfil irá permanecer ativo. Pelo menos é isso que tem acontecido nos últimos meses dentro da rede social Instagram, que pertence ao grupo Meta.
Seguindo tal lógica, perfis com conteúdo transfóbicos, homofóbicos e racistas, continuam ativos na rede social e, dificilmente, são retirados do ar ou o perfil é banido. Isso constata o fato que já sabemos, de que a liberdade de expressão para a extrema-direita é o discurso de ódio. Dessa forma, ao acessar o link (https://transparency.meta.com/ptbr/policies/community-standards/regulated-goods/), que traz a política de drogas da Meta, é possível verificar a possibilidade de realizar diferentes conteúdos sobre cannabis e que esse tipo de conteúdo não seria banido, mas tão somente restrito para adultos com 18 anos ou mais, segundo palavras da própria empresa.
Não é só a política de drogas da Meta que permite falar sobre a planta, mas acima dela nós temos leis e julgados que protegem a liberdade de expressão que circula a erva ancestral. Tanto na ADPF 187, em que o Supremo Tribunal Federal deu ao artigo 287 do Código Penal, com efeito vinculante, interpretação conforme à Constituição, “de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos”.
Quanto na ADI 4274, quando também o Supremo Tribunal Federal deu ao §2º, do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 interpretação conforme à Constituição, “para dele excluir qualquer significado que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou então viciado, das suas faculdades psicofísicas.”
O direito de falar sobre a política de drogas nacional, o genocídio praticado pelo Estado brasileiro, realizar críticas às polícias e a sua de atuação também estão resguardados pelos julgados acima expostos. Assim como, falar sobre o uso medicinal, fazer algum conteúdo informativo, cômico, histórico e cultural. O debate sobre temas políticos, como drogas em geral, representa o verdadeiro “coração” da liberdade de expressão, o seu núcleo essencial, garantido, de forma ampla, pelo STF, ao julgar a ADPF 187 e ADI 4274, quando fora assegurado pelo Suprema Corte a liberdade de reunião e de manifestação na Marcha da Maconha, movimento social, político e cultural brasileiro. Estendendo o direito de liberdade de expressão quanto à cannabis e outras drogas para todo e qualquer meio de convívio social e político.
É perfeitamente lícita a defesa pública da legalização das drogas, na perspectiva do legítimo exercício da liberdade de expressão, com a crítica da legalização penal e perseguição de certas pessoas de certas camadas da sociedade, aqui leia-se negros e pobres. Existe o direito de defender políticas públicas em vigor, em que se defenda a legalização das drogas em geral, ou de alguma substância entorpecente em particular e, dentro do bojo da discussão, que se defenda o direito de pacientes de cannabis em todos os aspectos jurídicos, filosóficos e sociais possíveis.
É um direito, pois encontra respaldo em sua liberdade de expressão, que é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, especificamente nos artigos s 5º, IV, V, IX, X, XIV e 220, que asseguram a todos os cidadãos o direito de se manifestar livremente, sem censura ou repressão. Mais ainda, o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, estabelece que a relação sobre o uso da internet brasileira deve ter como fundamento a liberdade de expressão, comunicação, pluralidade, diversidade e manifestação do pensamento.
Decorrente da liberdade de expressão, a liberdade de imprensa é considerada um direito fundamental de todos os cidadãos, assegurado pelo artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal. Sua garantia decorre do direito à informação, que consiste na possibilidade de o cidadão criar ou ter acesso a diversas fontes de dados, sem interferência do Estado. Além disso, em seu artigo 220, a Constituição Federal define que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. É vedada, ainda, toda e qualquer forma de censura (art. 220, § 2º, da Constituição Federal).
Nessa linha, cumpre dizer que o STF julgou pela não recepção da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) pela Constituição Federal, fazendo com que a mesma perdesse a sua eficácia. Lei essa criada na ditadura da extrema direita no Brasil, que trazia punições aos jornalistas. Ao que parece, a Meta não entendeu muito bem o julgamento do STF, na ADPF 130, e continua punindo os jornalistas que falam sobre maconha, aplicando-lhes a censura. Além de claro, não respeitar os princípios constitucionais processuais mais básicos, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Já que tudo que a Meta faz é muito escondido e com pouco acesso, as informações básicas do julgamento da censura do perfil que fala sobre cannabis fica escondido e o usuário da rede social não consegue nem ao menos entender o motivo da censura aplicada. É preciso termos em mente que somos nós contra eles. Sempre foi assim. Agora não seria diferente. Não existe bilionário bonzinho assim como não existe cachorro que sabe assobiar. Fato é, eles sabem que estão nos perseguindo e realizando o controle social do que podemos falar todos os dias. Não adianta mudar a política de drogas da empresa e agir de forma contrária.
Concluo falando que, falar sobre a Cannabis é uma garantia prevista na Constituição Federal, em julgados realizados pelo STF e em decisões judiciais de primeira instância. Não estamos vivendo em uma Ditadura Empresarial Militar, apesar do flerte recente do dia 8 de janeiro de 2023. A defesa de nossas garantias básicas avança na medida em que somos atacados e atacadas, não sendo diferente nas redes sociais.