Reflexões sobre vulnerabilidade feminina, desemprego e encarceramento em massa

 

Por Monique Prado

insights canabicos

 

Como sempre era para ser, era para ser apenas uma noite normal com meu crush do momento. Um jantar, aquela bebida, um baseado acesso… A música estava excelente e coincidentemente estávamos escutando um cover maravilhoso do Djavan no Jah Lapa apenas algumas horas após eu quase expulsar ele da minha residência: “Como assim você quer falar mal do Djavan na minha casa?!”.

“[…] Te encontrar
Dar a cara pro teu beijo
Correr atrás de ti
Feito cigano, cigano
Me jogar sem medir […]”

Minha intenção era levar ele para conhecer um samba que amo no meio daquele furdunço que chamam de Lapa, para ele já entender bem a esquerdopata boemia que sou, mas ele escutou Djavan no caminho e, como todas as melhores coisas da vida acontecem, fomos parar lá aleatoriamente. Justamente no lugar que fechamos de fazer a festa da Marcha da Maconha do Rio de Janeiro, dia 02/05/2025. A reunião tinha sido naquela semana e eu ainda não conhecia o lugar. Mas essa é outra história. 

Meu crush era exatamente o que eu esperava, até melhor,  pensei enquanto apertava um. “[…] Saber chegar no seu melhor momento.” E depois da primeira tragada, veio a segunda e depois outras tantas que ele passou a recusar o baseado e a fumaça virou só minha. Daí é aquilo, a fumaça entrou forte na mente e voltei para todos os projetos que deixei de lado, a tese, o podcast que quero fazer com duas amigas… E por fim cheguei nos  problemas. Depois de sete anos me dedicando profissionalmente à política institucional, meu emprego como assessora parlamentar na área de política de drogas tinha acabado, apesar dos quase 17 mil votos, o PSOL não conseguiu eleger a vereadora Luciana Boiteux em 2024. Uma perda gigante para a sociedade, para a luta antiproibicionista e para mim.

Em menos de um ano trabalhando “na mandata” escrevi três projetos de lei: sobre a capacitação de profissionais da saúde do SUS acerca da prescrição da maconha; sobre a permissão do uso terapêutico da planta em unidades hospitalares; e sobre o Programa Municipal de Cannabis no SUS. Esses vão ficar no esquecimento das tramas burocráticas, já que nenhum vereador tem coragem de lutar por isso. Também escrevi um relatório final sobre a Comissão da Cannabis na Câmara, organizei audiências públicas e a entrega de moções de honra e reconhecimento para as Associações Canábicas e Coletivos Antiproibicionistas. Ao menos isso ficará para a posteridade. Daqui a 100 anos historiadores vão poder dizer que, entre 2023 e 2024, já havia resistência ao proibicionismo dentro da Câmara dos vereadores do RJ, a primeira a proibir o uso da planta. Uma resistência que partiu e foi organizada por duas mulheres, que sofreram violência política e de gênero por parte campanha de outro candidato antiproibicionista durante a eleição, quem é do Rio de Janeiro vai saber de quem estou falando…

Desde o fim do mandato sigo necessitando da ajuda da minha família. E não tem um dia em que eu não envie currículos sem respostas ou pense em como estaria a minha vida e a da minha filha caso eu não tivesse essa rede de apoio. E, mais que isso, uma rede de apoio com condições de nos apoiar financeiramente. Alguns chamam isso de privilégio, mas eu fico com a palavra vantagem, afinal, privilégio é nunca perder o padrão de vida mesmo após perder um emprego. Sabe aquela galera que vive de renda e herança?! Então…

insights canabicosSessão de moções a coletivos, projetos e pessoas que contribuem para a causa antiproibicionista no RJ, pela Câmara Municipal. | Foto: Monique Prado /Arquivo pessoal

 

Dados difíceis de tragar: A criminalização tem cor, gênero e recai sobre mães

 

A ansiedade vez ou outra bate forte em mim, em breve alguns cabelos meus já não estarão mais tão pretinhos quanto estão hoje. O branco pode vir precocemente, mas ao menos para a rua não vou. Mas muitas mulheres vão.  Muitas crianças vão. E o que isso tem a ver com a política de drogas? Bom, primeiro que essa conversa em forma de desabafo que estamos tendo só existe porque eu fumei um baseado e gerei esse texto na cachola. Segundo que, bom, vamos lá:

No Brasil contemporâneo, a proibição da maconha e de outras drogas promove o superencarceramento pela seletividade penal que incide sobre negros e favelados. Segundo dados do DEPEN (2018, 2019), a maioria das mulheres presas responde por crimes relacionados ao tráfico de drogas (62%), enquanto entre os homens o número é de 29% dos encarcerados. A taxa de aprisionamento de mulheres aumentou 525% entre 2000 e 2016, indo de 6,5 mulheres encarceradas para 40,6 a cada 100 mil. Essas mulheres, normalmente, são jovens (50%), negras (62%) e possuem filhos (74%). Talvez tenha uma fonte mais atualizada, mas estou procurando emprego, então não me exijam tanto vai…

Se você não tem filhos, talvez seja difícil entender o desespero de saber que sua cria poderá passar fome e que vocês poderão não ter mais onde morar porque você está sem emprego. E quando o desespero bate, você topa tudo. Uma mulher que é mãe e está em condição de vulnerabilidade, está duplamente vulnerável. Sim, porque a vida de outro ser que ela colocou no mundo depende dela. E se ela tiver que transportar drogas ou armas para arrumar dinheiro para alimentar sua criança, ela irá. Eu não sei o que é esse sentimento, porque não cheguei a este ponto, mas eu compreendo porque sou mãe e também estou vulnerável hoje, a diferença é que tenho pessoas que me apoiam e minha filha tem um pai, mas nem todas têm. Por isso, eu não julgo mulheres que optam pelo crime, porque vivemos em um sistema que não protege mães e muito menos crianças. E o mais perverso disso, é que muitas delas são presas e perdem a guarda dos seus filhos. 

E o mais angustiante dessa história toda, é que tem mulher branquinha por aí vendendo produtos de maconha nas fronteiras do legal e ilegal sem sofrer ou correr o risco de sofrer nenhuma penalidade por isso. É da minha cor para os tons mais retintos que o bicho pega.

 

flora urbana

 

Desemprego, prostituição e precarização do trabalho de profissionais da educação

 

Bom, o desemprego também empurra mulheres para a prostituição. Porque vivemos em um mundo onde nossa força de trabalho é explorada nas corporações e dentro de casa, mas ganhamos menos que um homem no mesmo cargo. Porque nossos corpos são controlados sexualmente, mas são validados apenas como instrumento de prazer, quando não, de poder. Certa vez escutei de um afeto muito gente boa, de esquerda e (não tão) consciente assim, que queria que eu “o acompanhasse bem bonita na festa dos seus amigos porque ele queria uma mulher troféu”. Oi?! Nem está me pagando, irmão! Ainda quer exigir tamanha asneira? 

Bom, uma amiga minha teve que entrar nessa de sobreviver dessas novas modalidades de prostituição porque também tem uma criança, é estudante, pega vários bicos, mas o que tem ajudado no orçamento é enviar vídeos íntimos para caras do oriente médio que topam pagar por seus serviços. A tecnologia a serviço de magnatas com fortes traços de sociopatia para nos  usar como produtos, além de precarizar nossas vidas e relações…

Falando em precarização, vou abordar outro tema, o de trabalho precarizado. Disso entendo bem porque sigo com a minha bolsa para atuar como tutora (veja bem, não é professora, tutora, por favor), o que me garante uma bolsa para dar uma tutoria no formato EAD sobre criminologia crítica para agentes de segurança pública. Eu recebendo bem pouco, beeem pouco, mas o suficiente para pagar algumas contas (erguei as mãos e dai glória a deeels – quem foi no igrejinha neste ano vai pegar a referência). De fato sou realmente grata, afinal, não tem nome de trabalho, mas é trabalho e me rende experiência no currículo. Além de um faz me rir.

Mas, sabiam que bolsista não tem direito nem a justificar uma falta com atestado? Não tem vínculo empregatício também, porque, afinal, é uma bolsa. E, bom, na minha área, que é das ciências sociais, o que mais tem é bolsa, emprego, emprego, emprego mesmo está em falta. Até porque, pesquisa e estudo nem trabalho é, né?! Contém ironia, pelo amor das deusas! Queridas pessoas que não sabem interpretar texto. Por que? Porque o serviço de professor é precarizado e você não larga esse celular, porque assim como eu, está ansioso porque vive em um sistema que lucra com os remédios que vai te vender para você se sentir melhor e seguir trabalhando enquanto a burguesada vai fazer ano sabático. 

Mas, bom, queria concluir agradecendo a essa planta que além de relaxar a mente em tempos de ansiedade provocada pelo desemprego neste fucking sistema capitalista, também é muito boa para nos fazer pensar, criticar, curtir um som e um momento gostoso com o crush. E, por que não dizer, que poderia estar sendo usada como fonte de renda lícita para muitas mulheres trabalharem em diferentes segmentos da indústria, já que dá para vender cosméticos, roupas, remédios e até casas feitas com essa planta. O céu realmente é o limite para seus usos. Até breve, maconheirada!

 

insights canabicos monique open to workMandem Jobs! | Imagem: Reprodução LinkedIn.
Monique Prado
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