Por Beatriz Nunes e Felipe Barreto
Em 11 de dezembro de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a RDC nº 327/2019, a qual estabelece regras e requisitos para a fabricação, importação e comercialização de produtos derivados de Cannabis para fins medicinais no Brasil.
Após a publicação da RDC nº 327/2019, o número de pacientes cadastrados na Anvisa aumentou de 10.862 em 2019 para 26.885 em 2020, o que é um indicador que referida RDC facilitou e difundiu o acesso de produtos à base de Cannabis para fins medicinais no Brasil, uma vez que o cadastro na Anvisa é o meio para a obtenção de autorização para importação (e consequente consumo) de tais produtos.
Estudos e pesquisas realizados pelas mais qualificadas instituições, por exemplo, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e clínica Animal Health de neurologia veterinária de Bogotá, na Colômbia, demonstraram resultados positivos na utilização de produtos derivados de Cannabis para o tratamento de doenças, sendo que a utilização de referidos produtos em animais possui efeitos tão abrangentes e positivos como os verificados em humanos.
No entanto, a RDC nº 327/2019 restringe a prescrição de produtos derivados de Cannabis aos profissionais médicos legalmente habilitados pelo Conselho Federal de Medicina.
Por sua vez, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), órgão responsável por regular a profissão da medicina veterinária em nosso ordenamento, ainda não estabeleceu nenhuma restrição, norma ou regulamentação quanto à prescrição de produtos derivados de Cannabis por médicos veterinários.
Diante da ausência de norma, alguns profissionais de medicina veterinária vêm utilizando esse “vácuo legal” para prescrever medicamentos derivados de Cannabis para uso animal, tendo em vista que os mesmos podem tanto ampliar o escopo do tratamento de doenças neurológicas (a exemplo da epilepsia), como também atenuar dores, dentre outras indicações.
Visando suprir a lacuna existente, em 10 de fevereiro de 2021, foi apresentado o Projeto de Lei nº 369/2021, com o objetivo de regulamentar a prescrição e uso de produtos derivados de Cannabis na medicina veterinária e garantir as pesquisas que comprovem a eficiência do uso de tais produtos em animais.
O PL nº 369/2021 contou com a contribuição do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), órgão responsável pela fiscalização da profissão dos médicos veterinários. O presidente do CFMV afirmou que a contribuição do órgão teve o objetivo de orientar a redação da norma sob o ponto de vista técnico, com o objetivo de garantir que a futura lei resguarde a saúde dos animais e dê segurança aos profissionais.
Quanto ao uso de tais produtos, o PL nº 369/2021 estabelece que os proprietários ou tutores de animais são autorizados a aplicar os produtos – exclusivamente conforme orientação do médico veterinário que prescreveu o uso.
Além disso, o PL nº 369/2021 dispõe que a prescrição, a fabricação, a dispensação, a comercialização, a importação, o uso, a pesquisa e a fiscalização dos produtos derivados de Cannabis na medicina veterinária deverão observar as mesmas normativas aplicáveis ao uso humano, enquanto o poder executivo não regulamentar as condições específicas para o uso veterinário de tais produtos – o que nos parece um avanço, dado que não serão criadas novas condições de manuseio e aquisição para uma finalidade semelhante à existente, trazendo o mínimo de segurança jurídica para o setor.
Não somente, o PL nº 369/2021 demonstra mais um avanço em relação à regulamentação de produtos à base de Cannabis no Brasil, afinal, semeia a oportunidade para o desenvolvimento de um novo mercado nacional: o mercado de produtos à base de CBD destinados aos animais de estimação.
Segundo estudo da Grand View Research, multinacional de consultoria e pesquisa de mercado, o mercado global de produtos à base de CBD destinados aos animais de estimação poderá atingir uma taxa de crescimento anual de 40,3% entre 2020 e 2027, atingindo cerca de US$ 400 milhões em 2027. Nesse mesmo sentido, segundo as projeções da Nielsen, os produtos à base de CBD para animais de estimação representarão de 3% a 5% de todas as vendas de CBD nos EUA até 2025.
No entanto, vale relembrar que, enquanto o poder executivo não regulamentar as condições específicas para o uso de produtos derivados de Cannabis na medicina veterinária, aplicar-se-ão as normativas relacionadas ao uso humano.
Nos parece, portanto, da análise sistemática do PL em questão, que os produtos derivados de Cannabis na medicina veterinária também estariam restritos aos medicamentos, a exemplo do que ocorre com a RDC nº 327/2019, que não considera cosméticos, produtos para a saúde ou alimentos (como é o caso dos edibles, tão vendidos nos estados americanos com uso recreativo legalizado).
Apesar do afunilamento trazido pela norma, fica a impressão que, caso ocorra a aprovação do PL nº 369/2021, além do avanço social e sanitário, a norma permite o preenchimento de uma lacuna legal que possibilitará o desenvolvimento de um novo mercado no Brasil, gerando novos hábitos de consumo, investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas empresas para atuar neste novo mercado.