Por Laila Maria (@sapaganja)

legalização silenciosa e elitização da cannabis

Laila Maria / @sapaganja

 

Primeiramente, o uso do termo “legalização silenciosa” nasce em cima da premissa de que apesar de uma lei aprovada em 2006 (artigo 28 da lei n.º 11.343) já prever o uso medicinal da maconha, a falta de regulamentação para trazer a execução disso na prática levou a recentes decisões judiciais que autorizam e tem como intenção o acesso ao tratamento com cannabis medicinal no Brasil. O que consequentemente trouxe à tona novamente esse debate em larga escala nacional e possibilitou que a ANVISA através da RDC 327/2019 (que é uma resolução que dispõe sobre o uso medicinal da cannabis no Brasil e sua venda em farmácia e comercialização) e a RDC 335/2020 tentar facilitar a obtenção e conjuntamente, tornar “possível” o tratamento.

Se somarmos isso ao fato de que atualmente algumas associações conseguiram autorização para produzir remédio para seus milhares de pacientes associados, juntamente com um maior número de prescrições médicas embasadas no tratamento medicamentoso cannabaceae e, à diminuição da burocracia para importação destes remédios, cria-se o questionamento:

Quem são as pessoas que sabem e têm acesso a essas informações?

 

Os principais nichos que precisam, tem acesso a essas informações?

 

Na prática, como é a obtenção do medicamento?

A ausência de resposta para essas perguntas é o que cria uma legalização silenciosa do uso da cannabis medicinal no Brasil.

Você não vê a diarista que era para estar aposentada, mas segue trabalhando com dores diárias nas articulações, tendões e nervos, comentar no busão que está querendo começar a fazer tratamento a base de CDB. Você não vê o neto maconheiro da dona Maria querer e ou conseguir tratar o Alzheimer dela com a cannabis. E você muito menos vê, o menino autista da escola do bairro, aquele que todas as outras crianças zoam e fazem Bullying, ser tratado com Canabidiol. Por que as pessoas marginalizadas e periféricas não se tratam ou não sabem como se tratar com CBD mesmo após o florescimento desse debate em nossa sociedade e após o aquecimento econômico (ínfimo mediante ao nosso potencial econômico) que isso trouxe em nosso País?

 

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A ausência da Democratização das Mídias e a exacerbada polarização que as redes sociais trazem no lugar de uma confluência, não dão conta de informar as grandes massas deste, que é um DIREITO do cidadão Brasileiro. Em contrapartida, ligando a TV aberta, o senso comum recebe uma enxurrada de comerciais e reportagens que direcionam a maioria dos tratamentos patológicos a “remédios” que contam com a composição de drogas pesadas como codeína, morfina, mefloquina e outros.

O acesso legal ao Canabidiol é um processo cheio de trâmites burocráticos. Esses trâmites parecem um labirinto para a classe trabalhadora e periférica. Quando você se pré-dispõe a seguir e comprar de acordo com o passo a passo dado pela Anvisa, o custo médio do remédio sai por 2 mil reais. Existe maneira de você comprar legalmente, sem pagar tão caro, mas na prática, essa outra maneira ainda foge da realidade do brasileiro médio.

 

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Primeiro, você tem que conseguir uma consulta com um médico passível de receitar CBD. Além da quantidade desses médicos ser pouca no Brasil, comparado com o significativo número de pacientes que poderiam e devem fazer a manutenção da saúde com o cannabidiol, a comunidade médica brasileira é bem “preconceituosa” no geral quando se trata desse tema (você pode conferir esse assunto na entrevista com a Doutora Gabriela Araujo disponível no IGTV do SG). E fora isso, ainda tem a questão do valor da consulta que vai de 200 reais com médicos comuns, a 800 reais com médicos famosinhos na internet por atestarem CBD no Brasil.

Segundo, após conseguir o laudo médico, você vai até uma empresa que comercializa de maneira legal e conforme a RDC 335/2020 (baseada na flexibilização de exportação do composto por empresa para o pais) o Canabidiol no Brasil e compra seu remédio de acordo com a dosagem e concentração indicada pelo médico. O preço médio do remédio também gira entre 200 a 1.000 reais.

Terceiro, após conseguir o laudo (média 400 reais por consulta), e comprar seu remédio (média 400 reais baseado no valor mínimo/máximo no mercado ) falta ainda você conseguir pagar a taxa de importação, um “spread” para a empresa que lhe vende o remédio conseguir importar ele para o Brasil. Para minha esposa, cotei em duas empresas, uma disse que a taxa era de 50 euros que equivale a 308,80 reais, sendo assim, cotei em uma outra empresa cuja a taxa sairia no valor de 110 dólares, ou seja 558,63 reais. Deste modo, a conta dos gastos fecha sendo, no mínimo: 1.358 reais para que você consiga seu remédio.

 

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Atualmente, os maiores detentores de informações sobre como adquirir e fazer uso medico legal através da cannabis no Brasil, é a classe alta, média e a bolha universitária, sendo esta última, composta SIM, graças a programas que abrangem negros e periféricos, como FIES, PROUNI e SISU, que usam seus corpos políticos e suas singularidades para ascenderem às universidades, e apesar de dentro delas terem acesso a essas informações, não conseguem reproduzi-las em grande escala em suas comunidades e muito menos driblar toda essa burocracia. Sobrando assim para as classes altas, um amplo campo literalmente verde e livre para o tratamento com a cannabis, enquanto a diarista, a dona Maria, minha esposa, e provavelmente você que está lendo, não tem condições para legalmente se tratar com esta medicina aqui no país.

A hierarquia de classe está sim, e sempre esteve, presente no que conhecemos como “Cultura Canábica”, não diferente seria a inserção desta cultura na sociedade através do viés medicinal. Pontuo essa problemática desde já, pois se não corrigirmos agora essa estrutura, ela se firmará em cima dessa base desigual e a desigualdade se fortalecerá e permanecerá como um câncer na cultura e sociedade canábica, bem como o racismo é um câncer estrutural no cerne da sociedade.

Políticas públicas e organizacionais voltadas para o cuidado com a saúde através da cannabis são o único caminho da resolução deste problema, e para conseguir isso precisamos da pressão popular em cima dos regimes estatais e governamentais. Conto com você nessa caminhada que mal começamos e com a graça dos Orixás não será longa e árdua como imagino.

 

Laila Maria, vulgo SapaGanja (@sapaganja), é ex-diretora de Combate ao Racismo da União Paranaense dos Estudantes (UPE), integrante do Coletivo Antiproibicionista ‘Manas 4i20’ e subgerente da loja Coronel Cannabis Londrina.