Episódio do Maconhômetro Debate analisa a participação brasileira, o colapso do consenso internacional e a aprovação inédita de resoluções progressistas sobre drogas

comissão de drogas onu

O Maconhômetro Debate trouxe, em seu 42º episódio, uma conversa imperdível sobre a histórica 68ª Sessão da Comissão de Narcóticos das Nações Unidas (CND/ONU), realizada em março de 2025 em Viena, na Áustria. Com mediação de Monique Prado, o programa contou com três convidados que participaram diretamente das discussões em Viena e trazem relatos e análises fundamentais:

Maria Angélica Comis, que é Psicóloga clínica, redutora de danos, Mestre na área de medicina e sociologia do abuso de drogas pela UNIFESP, ex-assessora de políticas públicas sobre álcool e drogas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, ex-coordenadora Geral do Centro de Convivência É de Lei e atual Coordenadora da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc).

Francisco Neto, que é Psicólogo e Mestre em Saúde Pública pela Fiocruz. É Secretário Executivo do Programa Institucional sobre Política de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da presidência da Fiocruz; Secretário-Geral da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (REDUC). Conselheiro titular do CONAD e do Conselho Estadual de política de drogas do RJ, representando o Conselho Regional de Psicologia. Integra também a Comissão de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Conselho Nacional de Direitos Humanos representando a Fiocruz e é Conselheiro do comitê de ONGs sobre drogas na ONU em Nova Iorque, representando a REDUC.

Leonardo Pinho, que  é ex-Presidente da Central de Cooperativas Unisol Brasil, ex-Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos e ex-Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), sendo atualmente seu Vice Presidente. Foi Diretor do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e do Governo de Transição (22/2023). Por duas vezes foi também Presidente da Associação de Agricultura Nacional de Campinas e Região (ANC).

O episódio é um prato cheio para quem quer se atualizar e refletir sobre os rumos da política internacional de drogas — com destaque para a participação brasileira, o papel da sociedade civil e as disputas geopolíticas que marcam o cenário global.

 

Um evento global em crise (e em mudança)

 

A CND deste ano rompeu com a tradição diplomática do “consenso de Viena” e aprovou seis resoluções por votação, evidenciando as tensões geopolíticas atuais. Pela primeira vez, potências como EUA e Rússia foram derrotadas em bloco, com destaque para a atuação firme de países latino-americanos, como Brasil, Colômbia e Uruguai.

“Então, por um lado, uma coisa muito interessante, que é essa quebra do consenso e a possibilidade de avanço na linguagem internacional diplomática sobre drogas, por outro lado, essa quebra do consenso agora não é só sobre o consenso do campo das drogas nem de Viena, é a quebra da ordem internacional com essa postura extremamente, vamos dizer assim, agressiva e bélica, tanto no sentido aí na guerra mais financeira e fiscal, com a questão das tarifas, quanto também no sentido mais bélico no sentido literal, de aumento das tensões geopolíticas no mundo e que isso tudo acaba também afetando esse campo nosso, de uma forma direta e indireta. Então, a gente tem um cenário muito interessante no sentido das mudanças, das informações, e muito desafiador. Por um lado, a gente tem a quebra do consenso Viena e o avanço da reforma de drogas, de uma pauta mais progressista do campo das drogas, e, por outro, a gente tem a possibilidade de uma quebra muito maior no plano da ordem internacional, da ordem global e geopolítica.”Francisco Netto

 

O Brasil como protagonista

 

A participação da comitiva brasileira, tanto governamental quanto de iniciativas da sociedade civil, foi de destaque absoluto. Segundo Maria Angélica, “a Senad participou de cerca de 20 side events, apresentando políticas públicas centradas na redução de danos e nos direitos humanos”. Um deles abordou a resolução do STF sobre porte de cannabis, apresentando os Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social (CAIS) como estratégia de resposta.

“Foi a maior presença brasileira nos últimos anos. Houve um resgate da credibilidade do país no cenário internacional. O importante é que essa presença mais marcante do governo brasileiro suscitou, e aí é uma impressão muito pessoal minha, mas suscitou em outros atores de fora do Brasil uma grande curiosidade, no sentido de, olha, então quer dizer que o Brasil, por mais que tenha passado períodos tenebrosos, pelo menos a sociedade civil se manteve firme e forte, garantindo que, quando mudou a gestão, o governo tivesse ali de onde começar, recomeçar a reconstrução do país e das políticas sobre outras drogas.”Maria Angélica Comis

Para Leo Pinho, a atuação da Senad mostrou um “protagonismo estratégico do Sul Global”:

“Eu queria destacar aqui também que essa participação contribuiu junto com as delegações da Colômbia, do Uruguai e do México para promover um protagonismo do sul global. Então, em meio a esse momento geopolítico, da crise da ordem liberal que se manifestou nessas posições defendidas pelos Estados Unidos e Argentina centralmente de votar contra todas as resoluções, também possibilitou a entrada do protagonismo do sul global, em que o Brasil foi fundamental junto com esses países.”Leo Pinho

 

Redução de danos como política de Estado

 

Mudança de paradigma: a redução de danos entrou oficialmente nas resoluções da CND. Um feito que só foi possível com articulação de vários países e forte presença da sociedade civil.

“Então, eu queria, nessa avaliação, também colocar esse elemento, que a Colômbia contribuiu para colocar a discussão de redução de danos como política de Estado, como estratégia de desenvolvimento nacional. Isso coloca também um desafio para todos nós que atuamos nesse campo do antiproibicionismo da redução de danos, de começar a fazer essa discussão, que a redução de danos também pode ser colocada nesse âmbito estratégico, como política de Estado, em especial no Brasil, em que a guerra às drogas, como foi apresentado lá pelo Dudu, da Iniciativa Negra, ela afeta de forma desigual territórios e comunidades, em especial a população negra, as populações tradicionais do Brasil. Então, é fundamental que essa contribuição da Colômbia, que colocou a redução de danos como estratégia de desenvolvimento nacional, como política de Estado, também comece a ser incorporada no Brasil para a gente ter uma política de reparação a todas as pessoas, comunidades afetadas pela política de guerras drogas implementadas em nosso país, que teve, obviamente, um impacto desigual em territórios e comunidades periféricas, na população negra e nas populações tradicionais de nosso país.”Leo Pinho

 

Colômbia e o novo paradigma

 

A resolução proposta pela Colômbia para criar um painel de especialistas independentes que revise os tratados internacionais sobre drogas foi aprovada com 30 votos a favor — e apenas 3 contra (EUA, Rússia e Argentina) e o protagonismo da Colômbia foi destacado pelos especialistas.

“Acho importante destacar a participação da Colômbia, certamente, nessa última CND, mas, na verdade, desde que o governo do Gustavo Petro, o presidente atual da Colômbia, começou em 2022, tem sido um tema central, inclusive que o presidente Petro levou, em 2022, para a Assembleia Geral da ONU, colocando, particularmente, a questão da cocaína, que é na visão dele, uma fronteira muito importante ser superada nessa lógica do fim da guerra às drogas. Ou seja, a gente vem avançando, parte no campo da cannabis, a descriminalização no mundo todo, tem a questão dos psicodélicos, tem avançado também, mas o Petro coloca, tipo, vamos bastante firme, particularmente para a Colômbia e me parece para o Brasil também, o quanto que uma discussão sobre a regulação da cocaína é fundamental. E isso tem sido uma fala recorrente do governo Petro, e, obviamente, tem refletido na posição do pessoal do governo, do corpo diplomático colombiano. E a resolução que foi aprovada esse ano foi muito importante, porque ela propõe a criação de um comitê de especialistas que possa fazer uma revisão dos tratados internacionais” . — Francisco Netto

A atuação dos Estados Unidos e Argentina, que cumpriram um papel de párias, votando quase sempre sozinhos contra todas as resoluções que foram aprovadas e apresentando sugestões um tanto toscas, também foram analisadas (e detonadas) pelos convidados.

“Eles saíram completamente desmoralizados e isso só mostra o quanto que a gente tem conseguido, de alguma maneira, avançar, por mais que sejam em campos distintos, campos que não têm essa visão antiproibicionista ainda, mas que já entenderam que a política de drogas não pode ser só baseada numa esfera política, proibicionista. Então, acho que eles saem desmoralizados e passaram vergonha, mas é um ponto que a gente tem que estar muito atento, tendo em vista que a gente tem uma onda conservadora aí, atuando em vários países e pode trazer ali para as próximas CND algo mais complexo, as discussões mais complexas e tudo mais. Mas eu acho que foi… Não tem outra palavra a não ser vergonhoso.”Maria Angélica Comis

 

Para quem quer entender (e transformar)

 

Este episódio propõe um debate sobre os bastidores, os destaques das participações do governo brasileiro e iniciativas da sociedade civil, os resultados e as reflexões geradas pela 68ª reunião da CND com ativistas do campo antiproibicionista que estiveram presentes e atuantes nos espaços propostos pelo evento.

Seu conteúdo é um convite ao engajamento político, ao pensamento crítico e à construção de novas narrativas sobre drogas, justiça social e cooperação internacional. Confira e fique por dentro!

Podcast Maconhômetro Debate é um projeto do Cannabis Monitor em parceria com a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, com a proposta de contextualizar e aprofundar temas relevantes envolvendo a maconha e a política de drogas no Brasil e no mundo.

O ep. Debate #42 | A histórica 68ª sessão da Comissão de Drogas Narcóticas da ONU contou com produção, roteiro e edição de Gustavo Maia (CM), e apresentação de Monique Prado (CM).

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