Reflexões sobre a pauta das drogas no contexto das eleições municipais
Por Monique Prado
Dia 03/09 ocorreu um evento na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), cujo título informava tratar-se de um “Debate sobre a descriminalização da maconha”. Entre os convidados estava Ronaldo Laranjeira, psiquiatra com opiniões no mínimo duvidosas a respeito do consumo de drogas, e uma voz dissonante no campo de estudos sobre drogas e seus aspectos sociais. Para a tranquilidade do meu estômago, assisti apenas a mesa da tarde, que contou com a participação de outros palestrantes.
A experiência é um texto à parte. Mas, logo de cara, o segurança que analisava o raio x pelo qual minha bolsa passou, me disse que pela imagem dava para ver que eu tinha um dichavador na minha bolsa. Ele me pediu para escondê-lo em algum lugar do lado de fora para pegar depois. Eu ri, porque realmente parecia uma piada, mas não era, obviamente.
Me fiz de desentendida e disse que não tinha entendido, “como assim esconder? não posso levar comigo, por que?”. A resposta veio em forma de ameaça, “aqui isso não pode entrar, se quiser insistir precisarei chamar um policial e a situação vai ficar pior porque ele vai querer encontrar o material que você usa no dichavador”. Assim, desse jeito.
Refleti… afinal, estava ali a trabalho. De fato seria uma dor de cabeça. Engoli meu orgulho, peguei meu dichavador e o escondi embaixo de um cone que estava na frente da entrada da Emerj, exatamente na frente. O curioso é que ele não me pediu para me livrar da maconha que eu carregava (?!).
Muitas reflexões passaram pela minha cabeça após esse acontecimento, mas a maior foi sobre a grande ironia de passar por uma situação dessas, num evento que era justamente sobre a descriminalização da maconha. Sobre a descriminalização, vejam bem. O que pensaram que eu poderia fazer com aquele dichavador? Tacar na cabeça de algum palestrante?! Até que seria tentador mesmo… Bom, o recado foi dado e as falas eram neste tom, proibicionista raiz.
Ao menos pude me vingar um pouquinho jogando alguns dados na cara daqueles sujeitos que afirmaram ser um absurdo a polícia não poder usar helicópteros para atirar durante as operações. Sim, escutei isso vindo de uma promotora, uma juíza, um desembargador e um delegado. Pessoas que têm muito poder, pessoas que decidem a vida de outras pessoas, mesmo sem nunca terem pegado um ônibus, passado fome ou aperto para pagar as contas de cada mês. A nobreza segue julgando e sentenciando a plebe. Nessas horas percebemos o quanto a revolução francesa foi bem sucedida neste sentido, até hoje a cultura jurídica de lá é bem diferente e os juízes não têm o mesmo poder e nem os altos salários que os daqui dispõem.
Eleições, a maconha e as ruas
Mas, vamos às ruas! Que as ruas falam todo mundo sabe, mas escutá-las distribuindo panfletos de uma candidata de esquerda, antiproibicionista, feminista e defensora da regulamentação do aborto, realmente é uma experiência um tanto mais interessante que o normal. E é impressionante como as pessoas amam esse símbolo que a folha da maconha se tornou. Universal, polissêmico, polêmico. E é na noite que este símbolo reina, possibilita que eu me aproxime de uma forma mais leve e dialogue com mais profundidade, algo que nenhuma outra bandeira que defendemos possibilita. Como disse um companheiro de panfletagem: “ninguém quer saber de viado e cultura, só de maconha”.
A maconha conecta pessoas de diferentes realidades, não importa a classe social. Se você é maconheiro, vai se identificar com quem também é. Se um maconheiro vê esse símbolo, se sente aberto a conversar e a colocar um adesivo com essa imagem no peito. Gosto de gente, gosto de observá-las e a panfletagem me permite isso. Panfletar na noite e conversar sobre política com maconheiros, me ajuda a perceber o quanto são pessoas que gostam de viver intensamente, de ouvir uma boa música e estar em boa companhia.
São pessoas que querem ver as coisas avançando, inconformadas com a hipocrisia e o caos social em que vivemos, revoltadas com o quanto a proibição em torno das drogas está relacionada com a guerra que atinge as favelas cotidianamente.
São pessoas que conseguem sair um pouco da matrix. Ao menos é isso que os contatos que venho tendo transmitem, o que, diga-se de passagem, é uma amostragem ínfima da realidade, que não temos capacidade de vislumbrar por completo.
Foto: Luiz Fernando Petty | @lf_petty
Mas falar sobre política de forma mais ampla, para além da política de drogas e seus contornos, tem sido uma experiência difícil. As pessoas estão apáticas ou desacreditadas. Os jovens então, nem se fala. É desolador ver o quanto a juventude quer se distanciar e não tem interesse na política. Justo eles, aqueles em quem mais depositamos a esperança da transformação.
Há também os fanáticos. Bate um medinho desses, imprevisíveis, alienados e agressivos. Felizmente, não fui xingada ou ferida até o momento, mas uma amiga próxima e outras pessoas que militam pela esquerda sofreram violências físicas nessa campanha. Sobre os mal educados prefiro nem comentar. Por essas e outras fumo bastante antes de sair, é bom estar anestesiada para algumas coisas. Especialmente para fugir de encrencas.
Do assédio não tem como fugir, porque ele começa de forma sutil, com o cara se aproximando para pegar um panfleto, me faz um elogio e no final pergunta se pode pegar meu telefone para saber da campanha… Mas isso é ser mulher na nossa sociedade. O que, aliás, serve como estratégia. A direita sabe usar bem o machismo a seu favor.
Em um dia de panfletagem presenciei um grupo de mulheres muito bonitas – cabelos lisos e longos, nádegas fartas e maquiagem bem feita – entrando em uma van. Elas trabalhavam para um candidato da direita, que é uma das principais candidaturas. Segundo uma das moças com quem conversei, essa van as leva para diferentes locais ao longo do dia para panfletar. Algo que eu, que já participei de três campanhas, nunca vivenciei, nunca trabalhei com candidatos com tanto dinheiro ao seu dispor.
Não basta votar em antiproibicionistas, é preciso disputar no dia a dia
Mas voltando a maconha, percebo que maconheiros votam em maconheiros, antiproibicionistas votam e reconhecem um antiproibiconista, e isso é lindo! Mas ainda é insuficiente, precisamos nos apropriar da vida política. E isso não é tarefa simples, vivemos em um sistema que nos drena a energia, nos rouba o tempo, nos aliena dos problemas e dos caminhos para soluções reais.
Por isso, é necessário entender que só falar de maconha não deve ser nosso único caminho , assim como votar não deve ser interpretado com um grande ato cívico da nossa parte. Precisamos nos inteirar da política, mas não só dessa política institucional, que é sim, extremamente importante na resistência contra os conservadores e reacionários que lotam as nossas casas legislativas.
Precisamos fazer política no dia a dia, na conversa do transporte público, na fila de algum lugar, na nossa relação com o consumo, na escolha do que comemos e na nossa participação em movimentos sociais. É só ali que a transformação real vem. Especialmente neste momento em que a maconha se tornou uma mercadoria que gera novas áreas para exploração econômica, é só abrirmos uma rede social para sermos bombardeados com a venda de cursos profissionalizantes para atuar na área, eventos canábicos, produtos e serviços dos mais variados relacionados com a planta.
É um mercado em expansão de grande potencial econômico. Por isso, precisamos votar em quem luta pelo social, pelo acesso democrático às potencialidades dessa planta, por quem luta pelos serviços públicos de qualidade e quer incluir o uso terapêutico no SUS, para quem não pode pagar acima de 200 reais para ter acesso em uma associação ou 2.000 em uma farmácia.
A “reforma” é sim muito importante, não trabalho na política institucional a toa, por mais performática que seja – como quase tudo é na atualidade – é extremamente necessário estarmos nestes locais. Ter contato com vereadores que dialogam e apoiam movimentos sociais em suas demandas, é essencial para todas as lutas, porque há muito poder concentrado ali. E precisamos fazer uso dele, nos pertence!
Foi nesse espaço que consegui ver projetos que escrevi se tornarem leis, em que trabalhei na Comissão da Cannabis na Câmara de vereadores do RJ, na entrega de moções de reconhecimento a associações de pacientes e a coletivos antiproibicionistas, além da medalha Pedro Ernesto ao neurocientista Sidarta Ribeiro pela sua atuação. Esses reconhecimentos são simbólicos, mas sinalizam para a sociedade que essa luta é importante, é reconhecida pelo legislativo e merece respeito.
Elegermos parceiros e pessoas de confiança é essencial, porque somos minorias, poucos pensam como nós e isso se reflete muito nas urnas. Assim como a descrença aparece nos votos nulos e na quantidade de candidatos eleitos que odeiam pobres e mulheres, é resultado de um projeto de governo que perdura por anos em todos os recantos deste país, para perpetuar violências e privilégios.
O tiroteio que obriga aulas a serem interrompidas nos arredores de favelas é uma escolha política muito bem calculada. Recomendo a vocês que leiam as mesmas pesquisas que indiquei aos palestrantes do evento da EMERJ: “Drogas quanto custa proibir”, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), que expõe que foram gastos 1 bilhão de reais, em um ano, com a segurança pública do RJ, para só assistirmos a violência se deflagrar ainda mais. Além disso, esse valor poderia ser melhor distribuído para investimento em áreas com maior potencial de enfraquecer o narcotráfico, como a educação, por exemplo.
Então, conheçam a proposta dos candidatos da cidade de vocês, vereadores tem um papel importante no cuidado e acolhimentos dos usuários, também podem legislar a respeito do uso medicinal da maconha. Mas não se esqueçam de que o projeto precisa ser casado. Não adianta votar em um bom vereador e eleger um prefeito fascistóide fantasiado de boa praça, frequentador de escola de samba. E outra coisa, a maconha não é a solução para tudo, precisamos de vereadores engajados na maior quantidade de pautas possíveis.
Precisamos dar atenção muito especial para propostas direcionadas à luta por educação de qualidade, contra a privatização dos espaços públicos e em favor da melhoria dos serviços públicos em geral. No que tange a nós, maconheiros, é fundamental estarmos atentos às políticas em torno da saúde mental, precisamos nos colocar contra a internação compulsória, ou um dia poderemos ser vítimas dela, apenas por ser usuários. Assim como já acontece com as pessoas em situação de rua apenas para higienização social.
Grupo de panfleteiros se reúne para descansar ao lado de um homem que dorme no chão em praça do Rio de Janeiro. | Foto: Monique Prado
Votem com muita consciência e não deixem de participar de movimentos sociais, porque é neles que a verdadeira revolução acontece. Não podemos votar em quem vai atuar no judiciário, mas podemos eleger os parlamentares que trabalharão para nós durante 4 anos. Votem em antiproibicionistas e cogitem participar da construção da Marcha da Maconha das suas cidades. Maconheiros, uni-vos!